Afastar diretores melhora a escola?
De Nova York a Helsinque, o que 20 anos de pesquisa mostram sobre pressão, apoio e resultados.
No fim de maio, a prefeitura de São Paulo afastou 25 diretores após os resultados do Ideb 2023. A decisão reacendeu um debate global: trocar o líder melhora, de fato, a aprendizagem dos alunos? Duas décadas de pesquisas em quatro continentes oferecem pistas — e alertas — sobre quando a estratégia funciona, quando fracassa e por quê.
Por que discutir liderança escolar agora?
Diretores vêm logo atrás dos professores em impacto sobre a aprendizagem, conclui uma meta-análise da Wallace Foundation (2021). Ainda assim, atribuir resultados educacionais exclusivamente ao gestor ignora aspectos pedagógicos, sociais e contextuais.
Desde o início dos anos 2000, os sistemas públicos testam dois caminhos opostos para agir sobre essa liderança:
Alta responsabilização —high stakes: provas externas trazem consequências diretas, como demissão do diretor ou fechamento da escola.
Baixa responsabilização —low stakes: os mesmos dados orientam diagnóstico e apoio; não há punição automática.
A experiência americana com o exame NAEP (equivalente ao Saeb) e o programa federal SIG é apenas parte do mosaico. As evidências se repetem em outros três continentes — com padrões claros e armadilhas recorrentes.
Glossário
• High stakes: avaliação ligada a sanção imediata.
• Low stakes: avaliação usada só para diagnóstico e apoio.
• NAEP: principal prova nacional dos EUA.
• SIG: programa federal que financiou escolas de baixo desempenho (2009-15).
High stakes em três atos
1) Estados Unidos – No Child Left Behind (2002)
Os Estados Unidos foram o principal laboratório de políticas educacionais baseadas em responsabilização de alta consequência. A virada ocorreu com o No Child Left Behind Act (NCLB), sancionado em 2002.
A lei federal impôs testes anuais em todo o país e criou uma “escada” de sanções automáticas. Até 2014, 100 % dos alunos deveriam ser proficientes em leitura e matemática; as escolas reincidentes podiam ser reestruturadas ou ter diretores trocados.
Com isso, a responsabilização por desempenho tornou-se política nacional, e cidades e estados desenvolveram suas próprias versões e estratégias de implementação.
Nova York (2002–2011): Autonomia e responsabilização
Sob o prefeito Michael Bloomberg e o secretário Joel Klein, Nova York lançou o programa Children First em 2002, combinando autonomia escolar com responsabilização direta por resultados (ELWICK, 2016). Os diretores escolares receberam liberdade sobre o uso do orçamento, pela contratação de professores e assumiram compromissos com metas estipuladas pela gestão.
A política estruturou-se em cinco medidas principais (NYC DOE, 2007; ELWICK, 2016):
1. Boletins anuais A-F: As escolas eram classificadas com notas baseadas 85% no crescimento dos alunos em testes de matemática e leitura, e 15% em fatores como presença e clima escolar.
2. Intervenção obrigatória: Escolas com nota F ou duas notas D consecutivas tinham um ano para melhorar resultados, sob risco de fechamento ou substituição da liderança escolar.
3. Small Schools of Choice: Substituição de grandes escolas de ensino médio por mais de 300 pequenas escolas (com até 500 alunos), em parceria com fundações como Gates e Carnegie.
4. NYC Leadership Academy: Formação intensiva de novos diretores, com residência de um ano em escolas-modelo.
5. Financiamento ponderado: Alocação de recursos financeiros às escolas considerando a vulnerabilidade dos alunos.
Resultados: Entre 2003 e 2011, os resultados foram positivos, ainda que desiguais. No 4º ano, a média no NAEP subiu de 223 para 234 pontos em matemática (+11) e de 206 para 216 em leitura (+10), avanços que representam cerca de um ano letivo adicional (NCES, 2013a; 2013b). A taxa de conclusão do ensino médio passou de 51% para 65%, um aumento expressivo de 14 pontos percentuais (RESEARCH ALLIANCE FOR NYC SCHOOLS, 2013).
Por outro lado, as reformas geraram controvérsias. Críticos apontaram alta rotatividade docente, estreitamento curricular devido à pressão pelos testes, resistência comunitária às rápidas mudanças e fechamento frequente de escolas (ELWICK, 2016).
Após Klein, o prefeito Bill de Blasio aboliu os boletins A-F e suavizou políticas mais rígidas, mantendo apenas as pequenas escolas e o financiamento ponderado (Elwick, 2016).
Washington D.C. (2007-2010): o caso Michelle Rhee
Entre 2007 e 2010, a secretária de educação Michelle Rhee implementou um dos modelos mais agressivos de responsabilização educacional nos Estados Unidos. Logo no primeiro ano, demitiu 36 diretores e 22 vice-diretores após auditorias internas.
Durante sua gestão, Michelle Rhee implantou o sistema IMPACT, avaliando professores e diretores com testes padronizados e observações de aula rigorosas. Professores mal avaliados consecutivamente eram desligados, e docentes eficazes recebiam bônus substanciais (Dee; Wyckoff, 2015).
Entre 2007 e 2011, o DCPS ganhou 8 pontos em matemática e 5 em leitura no 4º ano do ensino básico, o que equivale a quase um ano a mais de proficiência em matemática e meio ano em leitura. Já no 8º ano, o resultado em matemática foi semelhante, com aumento de 7 pontos, mas o desempenho em leitura regrediu 4 pontos.
Após sua saída, o sistema IMPACT foi mantido, porém com ajustes para ampliar suporte e reduzir conflitos internos (Adnot et al., 2017).
Inglaterra (1992-presente): o modelo do Ofsted e suas consequências
A Inglaterra desenvolveu um dos sistemas de inspeção escolar mais rigorosos do mundo através do Office for Standards in Education (Ofsted), criado em 1992. Desde então, todas as escolas públicas são inspecionadas regularmente por equipes externas que atribuem classificações que vão de "Outstanding" (excepcional) a "Inadequate" (inadequado).
O sistema ganhou força punitiva especialmente após 2010, quando o governo conservador intensificou as consequências das avaliações. Escolas classificadas como "inadequate" enfrentam intervenção imediata, podendo ser convertidas em academias (equivalente às charter schools americanas) ou ter sua liderança completamente substituída. Diretores de escolas mal avaliadas frequentemente são demitidos ou optam por deixar o cargo devido à pressão.
Resultados mistos: Por um lado, defensores do sistema apontam melhorias nos indicadores nacionais desde sua implementação. A proporção de escolas classificadas como "good" ou "outstanding" subiu de 66% em 2010 para 86% em 2019 (OFSTED, 2019). Por outro lado, críticos documentam efeitos colaterais significativos.
O custo humano: Pesquisas qualitativas revelam que a pressão das inspeções gera "clima de medo" nas escolas, dificulta o recrutamento de líderes em áreas vulneráveis e contribui para altas taxas de rotatividade. Em 2022, 25% das vagas de diretor em escolas classificadas como "em risco" ficaram abertas por mais de 60 dias (PERRYMAN; EARNSHAW, 2023).
O caso mais extremo ocorreu em 2023, quando a diretora Ruth Perry cometeu suicídio após sua escola receber classificação "inadequate" do Ofsted. O incidente gerou comoção nacional e levou o governo a anunciar reformas urgentes no sistema de inspeção (EVANS, 2023).
2) EUA – School Improvement Grants (2009-2015)
No final da década de 2000, o governo Barack Obama decidiu reforçar a responsabilização educacional criando o programa federal School Improvement Grants (SIG). Entre 2009 e 2015, o SIG recebeu aproximadamente US$ 7 bilhões para transformar as escolas mais vulneráveis — definidas como as 5% piores em desempenho.
Para receber recursos substanciais, as escolas eram obrigadas a adotar uma das quatro estratégias padronizadas de intervenção (U.S. DEPARTMENT OF EDUCATION, 2010):
Turnaround: troca obrigatória do diretor e de pelo menos 50% dos professores
Transformation: troca do diretor e adoção de novos sistemas de avaliação docente
Restart: fechamento da escola e reabertura sob nova gestão
Closure: fechamento definitivo da escola
Apesar da promessa inicial de "transformar radicalmente" essas escolas, o programa não apresentou resultados significativos. Uma avaliação rigorosa conduzida pelo Instituto de Ciências da Educação concluiu que as escolas participantes do SIG tiveram desempenho estatisticamente semelhante às escolas comparáveis que não receberam os recursos adicionais (DRAGOSET et al., 2017).
O diabo mora nos detalhes: síntese crítica sobre políticas high stakes
Pesquisas comparativas apontam que Washington D.C. e Nova York alcançaram ganhos mensuráveis porque combinaram pressão por resultados com três condições que o programa federal SIG praticamente não ofereceu:
1. Liderança preparada antes da troca: Em D.C., a equipe criou um banco de candidatos treinados e ofereceu bônus de até US$ 25.000, garantindo substitutos qualificados (DEE; WYCKOFF, 2015). Nova York formou mais de mil gestores pela NYC Leadership Academy antes de ampliar o uso de boletins A-F.
2. Autonomia acompanhada de suporte intensivo: Tanto D.C. quanto Nova York concederam controle orçamentário e flexibilidade curricular às escolas, mas acoplaram mentores, dados de uso formativo e redes de apoio (ELWICK, 2016).
3. Foco em poucas metas e monitoramento contínuo: D.C. rastreava crescimento individual de alunos; Nova York limitou-se a progresso em leitura e matemática mais taxa de graduação. O SIG previa quatro modelos rígidos para todo o país, sem adaptação às realidades locais.
Em síntese, o sucesso relativo de D.C. e Nova York residiu na combinação de pressão com liderança preparada, autonomia real e apoio técnico robusto. O SIG fracassou porque aplicou a lógica da punição rápida a dezenas de contextos distintos, sem tempo nem capacidade operacional para transformar de fato as escolas mais vulneráveis.
3) Efeitos colaterais documentados
A literatura de avaliação educacional sustenta que políticas de alta pressão podem induzir práticas problemáticas, mesmo quando exibem ganhos estatísticos.
Manipulação de indicadores: O escândalo de Atlanta, onde 178 educadores foram indiciados por alterar gabaritos, costuma ser citado como evidência de incentivos perversos criados por metas rígidas (RICH, 2013). Fenômeno semelhante surgiu no Chile, onde estudos identificaram a ausência estratégica de alunos de baixo desempenho nos dias de prova após a implantação do Programa SEP, que atrela recursos extras e classificações escolares (com possíveis sanções) aos resultados dos estudantes (HOFFLINGER; VON HIPPEL, 2020).
Estreitamento curricular: Levantamento nacional do Center on Education Policy revelou que 62% dos distritos norte-americanos reduziram tempo de artes, ciências e educação física para reforçar matemática e leitura em resposta ao No Child Left Behind (McMURRER, 2007). Revisão de 49 estudos concluiu que a prática de teaching to the test está positivamente associada a quedas em criatividade e raciocínio crítico (AU, 2011).
Crise de recrutamento de líderes: Além da manipulação direta, pesquisas quase-experimentais indicam que distritos concentram esforços em estudantes "na margem" da proficiência, deixando de lado os muito avançados ou os muito vulneráveis (NEAL; SCHANZENBACH, 2010).
Low stakes: quando menos é mais
Embora políticas de responsabilização educacional frequentemente sejam associadas a sanções rigorosas, alguns dos sistemas mais bem-sucedidos internacionalmente seguem uma direção oposta: metas claras, dados diagnósticos, apoio técnico contínuo e nenhuma punição formal.
Ontário (2003-2011) – metas claras, apoio intensivo
A província canadense de Ontário implementou em 2003 a Literacy and Numeracy Strategy, focada exclusivamente em três objetivos claros: atingir 75% de proficiência em leitura e matemática nos anos iniciais, além de elevar para 85% a taxa de conclusão no prazo do ensino médio (ONTARIO MINISTRY OF EDUCATION, 2012).
O governo provincial investiu cerca de CAD 2,5 bilhões em oito anos, criando uma ampla equipe itinerante de coaches pedagógicos e garantindo duas horas semanais remuneradas para planejamento docente colaborativo (FULLAN; RINCÓN-GALLARDO, 2016). Testes anuais eram usados exclusivamente para diagnóstico interno, sem publicação de rankings ou qualquer consequência negativa.
Entre 2003 e 2011, a proporção de alunos com desempenho adequado subiu de 54% para 70% (+16 pontos percentuais). No ensino médio, a taxa de conclusão passou de 68% para 82%, com redução expressiva nas lacunas entre escolas de diferentes contextos socioeconômicos (CAMPBELL; FULLAN; GLASS, 2014). Nenhum diretor foi afastado por desempenho nesse período.
Finlândia (1991-presente) – confiança profissional
A Finlândia eliminou as inspeções escolares externas em 1991, adotando desde então um modelo de confiança profissional (SAHLBERG, 2021). Diretores são selecionados entre professores altamente experientes e gozam de ampla autonomia curricular, com 30% do currículo adaptado às realidades locais. Todos os professores têm mestrado obrigatório e formação rigorosa (SIMOLA, 2005).
Esse sistema colocou a Finlândia entre os países de melhor desempenho educacional do mundo no PISA desde 2000, destacando-se particularmente pela baixa desigualdade entre escolas (OECD, 2019). Ainda que recentemente tenha havido uma leve queda em matemática, a Finlândia permanece acima da média da OCDE.
Coreia do Sul (2005 → presente): avaliação formativa, contratos renováveis
A Coreia do Sul opera três engrenagens de responsabilização low-stakes para diretores. A primeira, o Principal Appraisal for Professional Development (PAPD), vigente desde 2010, consiste numa avaliação anual 360° (docentes, alunos, pais e supervisor distrital) que gera apenas um plano individual de desenvolvimento apoiado por cerca de 30 a 40 h de formação, sem impacto direto em carreira ou salário (OECD, 2013). A segunda, a Evaluation for School Management (ESM), criada pelos escritórios metropolitanos em 2009 (pilotos em 2006), publica relatórios de desempenho acadêmico, clima escolar e satisfação da comunidade; premia o quinto superior com um bônus único e encaminha o quinto inferior a mentoria obrigatória — sem demissão automática (OECD, 2013). Por fim, desde 2013 parte das vagas é preenchida pelo Open Recruitment System for Principals (ORSP): concursos públicos conferem mandato inicial de quatro anos; se não houver renovação, o diretor retorna ao magistério com estabilidade, nunca é exonerado (LEE, 2024).
Esses mecanismos equilibram transparência (divulgação de dados e contratos a termo), apoio estruturado (mentoria, bolsas de formação, coaching) e segurança profissional. Pesquisas nacionais citadas pela OCDE indicam que cerca de 70 % dos diretores consideram útil o feedback do PAPD (OECD, 2013). Avaliações sobre o ESM sugerem melhora no clima escolar, mas efeitos neutros nas notas quando controlado o contexto socioeconômico (OECD, 2013). O ORSP — responsável por cerca de 15 % das nomeações em 2022 — tem sido associado a maior satisfação de pais, embora enfrente dificuldades para atrair candidatos em zonas rurais e receba críticas sindicais sobre possível ingerência política (JEONG; PARK; LEE, 2021).
O resultado é um sistema que responsabiliza diretores por meio de contratos renováveis, indicadores múltiplos e incentivos simbólicos, mas coloca o desenvolvimento profissional à frente da punição — em contraste com modelos high-stakes como os de Nova York ou Inglaterra.
No PISA 2018, a Coreia alcançou 514 pontos em leitura (9.º) e 526 em matemática (7.º), com taxa de repetência inferior a 1 %. Quatro anos — e uma pandemia — depois, o PISA 2022 mostrou estabilidade notável: 515 pontos em leitura (≈ 4.º), 527 em matemática (6.º) e 528 em ciências (5.º), mantendo a repetência abaixo de 1 % (OECD, 2019; OECD, 2023). Esses resultados sugerem que a arquitetura de responsabilização “leve”, baseada em desenvolvimento profissional e contratos renováveis — e não em demissões sumárias — sustenta alto desempenho mesmo em contextos adversos.
Japão — responsabilização low-stakes centrada no diretor-pedagogo
Em abril de 2002, o Ministério da Educação japonês tornou obrigatória a autoavaliação institucional anual (gakkō hyōka) ao alterar os Standards for School Establishment — exigindo que cada escola se avalie, publique os resultados para pais e comunidade e os envie ao conselho municipal de educação, reforçando o ideal de “escola aberta” (JAPAN, 2002 ). Essa obrigação foi detalhada nas Diretrizes para Avaliação Escolar de 2016, que explicitam procedimentos, prazos e formatos de divulgação (MEXT, 2016).
O diretor lidera o ciclo PDCA: define metas anuais e indicadores, reúne evidências, consolida um relatório sintético e o divulga — geralmente em site ou mural — antes de discutir ações de melhoria com o conselho escolar local. As diretrizes deixam claro que esses achados não geram sanções automáticas; servem ao aperfeiçoamento contínuo, enquanto processos de recursos humanos seguem normas específicas (MEXT, 2016).
Entre os indicadores obrigatórios figuram resultados de aprendizagem dos estudantes. O principal insumo externo é a Avaliação Nacional da Capacidade Acadêmica (NAaA), aplicada anualmente em Língua Japonesa e Matemática (Ciências em ciclos alternados); o MEXT fornece a cada escola as taxas de acerto por item, a serem comparadas com médias nacional e municipal (MEXT, 2024 ). Muitas prefeituras aplicam ainda testes diagnósticos semestrais, e as próprias escolas agregam avaliações internas (provas, trabalhos, observações) para monitorar a proporção de alunos em cada nível de proficiência. Esses dados alimentam o relatório anual, cujo propósito é identificar onde reforçar o ensino — sem vínculo a bônus ou exoneração de diretores.
Os resultados internacionais sustentam essa estratégia de baixa responsabilização. No PISA 2018, o Japão obteve 504 pontos em leitura, 527 em matemática e 529 em ciências (OECD, 2019 ). No PISA 2022, avançou para 516 em leitura, 536 em matemática e 547 em ciências, mantendo-se muito acima das médias da OCDE (OECD, 2023 ). Ademais, levantamentos anteriores mostram taxa de repetência praticamente nula no ensino obrigatório (OECD, 2015 ). Os dados sugerem que transparência, metas claras e apoio formativo — em vez de punições de alto risco — podem sustentar desempenho acadêmico elevado e equitativo.
High stakes vs. Low stakes: o que funciona melhor?
Modelos high-stakes costumam render saltos rápidos — sobretudo em matemática básica, como se viu em Washington D.C., Nova York e no Chile — mas quase sempre vêm acompanhados de três efeitos colaterais: fraude nos indicadores, estreitamento curricular e alta rotatividade docente (Neal & Schanzenbach 2010; Au 2011).
Já sistemas low-stakes, caso da Finlândia e de Ontário, avançam mais devagar, porém mantêm o ganho ao longo do tempo, reduzem desigualdades e preservam um clima de colaboração (Sahlberg 2021; Campbell et al. 2014).
A convergência recente aponta para um meio-termo: transparência robusta, múltiplos indicadores e intervenção escalonada — com troca de diretores apenas depois de vários ciclos de apoio (ESSA, 2015; reforma do Ofsted, 2024).
Para onde convergem os sistemas públicos hoje?
Nos últimos dez anos, redes reconhecidas pelo bom desempenho têm convergido para modelos híbridos de responsabilização: mantêm transparência de dados, mas substituem sanções automáticas por apoio estruturado.
O Every Student Succeeds Act – ESSA (EUA, 2015) exige que estados publiquem "painéis" com múltiplos indicadores, mas deixa às redes a escolha das intervenções (U.S. CONGRESS, 2015). A Inglaterra, conforme visto na seção sobre o Ofsted, também caminha nessa direção com a reforma das inspeções escolares.
A OCDE também orienta sua agenda 2030 para indicadores mais amplos, incluindo bem-estar e criatividade (OECD, 2020). Em Washington D.C., o sistema IMPACT permanece, mas com peso menor dos testes (de 50% para 30% da pontuação) e um ano extra de apoio antes da demissão. Em Nova York, as pequenas escolas e o financiamento ponderado foram mantidos, mas os boletins A-F foram abolidos. Tanto DC quanto Nova York reforçaram suporte antes da demissão.
Seis Lições para o Brasil
Estabeleça poucas metas, muito claras. Metas enxutas, compartilhadas por toda a rede, facilitam que escolas alinhem estratégias e concentrem energia no que mais importa.
Avalie sempre, puna com parcimônia: Sistemas de monitoramento são vitais; punições automáticas atreladas a um único indicador quase sempre geram distorções.
Formação vale mais que rotatividade. Investir na capacitação de gestores traz retorno maior — e mais duradouro — do que demiti-los e recomeçar do zero.
Olhe além da média: Decisões sobre liderança escolar devem considerar contexto, trajetória de progresso (não apenas status) e clima escolar, não apenas a nota final do teste.
Dê tempo ao tempo: Reformas sólidas levam de três a cinco anos para aparecer nos resultados. Políticas eficazes operam em ciclos longos, não em reações imediatas.
Apoie quem mais precisa: Redes bem-sucedidas investem mais — não menos — nas escolas vulneráveis.
Condições comuns nos casos bem-sucedidos
Revisões sistemáticas apontam cinco fatores críticos: banco de líderes antes da intervenção, apoio técnico intensivo, metas limitadas e mensuráveis, horizonte mínimo de três a cinco anos para aferir impacto e reconhecimento explícito do contexto socioeconômico (Dee & Wyckoff 2015; Grissom et al. 2021; Fullan & Rincón-Gallardo 2016).
Evidentemente não é possível “importar” políticas públicas de países cuja realidade é muito distinta da brasileira.
Experiências nacionais confirmam o recado. Redes de sucesso como Pernambuco, Ceará e Sobral experimentaram modelos próprios de responsabilização orientados por apoio e colaboração. A cidade de São Paulo entre 2017 e 2019 experimentou um modelo híbrido, alinhando currículo, orientações pedagógicas, material estruturado e avaliação externa. Como principais resultados, antecipou em um ano a alfabetização dos estudantes (PINHO, 2018) e subiu 0,7 ponto no IDEB dos anos finais em 2019, registrando o maior crescimento entre as capitais (CAFARDO; BRAMATTI, 2020).
Conclusão
Qualquer política pública educacional precisa partir de um princípio básico: a aprendizagem é responsabilidade de toda a comunidade escolar — direção, docentes, famílias e os três níveis de governo.
Evidências indicam que punições rápidas até podem gerar ganhos iniciais, mas custam caro ao clima da escola e perdem fôlego. Modelos de apoio estruturado entregam progresso mais lento, porém durável. Nesse sentido, a combinação de modelos, de acordo com o contexto de cada rede pública, parece seguir o que preconizam as experiências de sucesso no mundo.
Em síntese, transparência aliada a desenvolvimento, responsabilização temperada por suporte e senso de urgência equilibrado com paciência estratégica formam a combinação mais promissora.
"Você não pode mandar e controlar seu caminho para a excelência educacional. Você precisa construir capacidade com foco, colaboração e determinação." - Michael Fullan
Linha do Tempo: Duas décadas de políticas educacionais
2002 - EUA promulga No Child Left Behind, estabelecendo modelo global de accountability
2003 - NYC cria Leadership Academy para formação acelerada de diretores
2003 - Ontário inicia reforma colaborativa sem punições
2007 - Michelle Rhee assume em Washington D.C., demite 36 diretores no 1º ano
2007 - NYC implementa boletins A-F para escolas
2009 - EUA lança School Improvement Grants (US$ 7 bilhões)
2010 - Inglaterra intensifica consequências das avaliações do Ofsted
2013 - Finlândia mantém liderança no PISA sem políticas punitivas
2015 - EUA substitui NCLB pelo ESSA, flexibilizando accountability
2015 - SIG é descontinuado após avaliação mostrar impacto zero
2017 - Estudo federal confirma fracasso do SIG
2023 - Suicídio de diretora na Inglaterra leva a revisão do Ofsted
2024 - Inglaterra elimina classificações de palavra única
2025 - São Paulo afasta 25 diretores baseado em avaliações externas
Este é o primeiro texto de uma série sobre políticas públicas baseadas em evidências. Próximo tema: o que realmente funciona em formação de diretores escolares?
Para se Aprofundar
Meta-análises essenciais:
Grissom, J.A., Egalite, A.J., & Lindsay, C.A. (2021). "How Principals Affect Students and Schools: A Systematic Synthesis of Two Decades of Research." Wallace Foundation. A síntese mais abrangente sobre impacto da liderança escolar.
LIEBOWITZ, D. D.; PORTER, L. The effect of principal behaviors on student, teacher, and school outcomes: a systematic review and meta-analysis. Review of Educational Research, v. 89, n. 5, p. 785-827, 2019. Meta-análise identificando quais comportamentos de liderança mais impactam resultados.
Estudos de impacto rigorosos:
Dee, T.S., & Wyckoff, J. (2015). "Incentives, Selection, and Teacher Performance: Evidence from IMPACT." Journal of Policy Analysis and Management. Análise causal do sistema de Washington D.C.
Bloom, H.S., & Unterman, R. (2014). "Can Small High Schools of Choice Improve Educational Prospects?" Journal of Policy Analysis and Management. Estudo quase-experimental das reformas de Nova York.
Avaliações de políticas:
Dragoset, L. et al. (2017). "School Improvement Grants: Implementation and Effectiveness." U.S. Department of Education. Avaliação oficial mostrando fracasso do programa de US$ 7 bilhões.
Perspectivas internacionais:
Sahlberg, P. (2021). "Finnish Lessons 3.0: What Can the World Learn from Educational Change in Finland?" Teachers College Press. Explicação do modelo finlandês.
Fullan, M., & Rincón-Gallardo, S. (2016). "Developing High-Quality Public Education in Canada: The Case of Ontario." Análise do sucesso de Ontário com políticas colaborativas.
Referências
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CAFARDO, R.; BRAMATTI, D. Rede municipal de São Paulo tem maior aumento do Ideb no ensino fundamental, mas não atinge meta. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 15 set. 2020.
CAMPBELL, C.; FULLAN, M.; GLASS, J. Ontario: a learning province. Toronto: Ontario Ministry of Education, 2014.
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O que está por trás do afastamento de diretores em São Paulo, vai muito além de melhoria de indicadores, já que até a escolha destes indicadores pelo Governo, criam dúvidas e não conseguem definir critérios. A formação em serviço sempre foi valorizada pela rede e foco nas aprendizagens é ou deveria ser bandeira de todos os educadores. As comunidades onde a vulnerabilidade é regra, precisa muito mais do que uma nota no IDEB (e claro sem perder o direito a tal), porém lidamos diariamente com a ausência de qualquer rede de proteção e a escola acaba assumindo papeis que o poder público não consegue suprir (falta de funcionários, apoio aos alunos com deficiências, vacinas, cestas básicas, instalações água, esgoto, luz, onde nestes 3 últimos itens, articulando com a comunidade para que tenham um pouco mais de dignidade, situação que o próprio governo ignora). Sem diálogo, sem articulação prévia, sem calendário e propostas de formações reais, só trazem uma certeza: a privatização e o dinheiro público indo para o ralo ( e claro com encanamento direcionado ao bolso de alguns).